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TOMAI, COMEI: ISTO É O MEU CORPO – 2ª Pregação da Quaresma 2022

O assunto da nossa catequese mistagógica de hoje é a parte central da Missa, a Oração eucarística, ou Anáfora, que tem em seu cento a consagração. Sobre ela, façamos dois tipos de consideração: uma litúrgica e ritual, a outra, teológica e existencial.

Do ponto de vista ritual e litúrgico, hoje temos um novo recurso que não tinham os Padres da Igreja e os doutores medievais. O recurso novo de que dispomos hoje é a reaproximação entre cristãos e judeus. Desde os primeiríssimos dias da Igreja, diversos fatores históricos levaram a acentuar a diferença entre cristianismo e judaísmo, até a contrapô-los entre si, como o faz já Inácio de Antioquia[1]. Distinguir-se dos judeus ‒ sobre a data da Pasqua, os dias de jejum e em várias outras coisas ‒ tonar-se uma espécie de palavra de ordem. Uma acusação frequentemente dirigida aos próprios adversários e aos hereges é a de “judaizar”.

A tragédia do povo hebreu e o novo clima de diálogo com o judaísmo, iniciado a partir do Concílio Vaticano II, tornaram possível um melhor conhecimento da matriz hebraica da Eucaristia. Como não se entende a Páscoa cristã se não é considerada como o cumprimento daquilo que a Páscoa hebraica preanunciava, assim não se entende a fundo a Eucaristia se não é vista como o cumprimento daquilo que os hebreus faziam e diziam no curso da sua refeição ritual. Um primeiro resultado importante desta retomada foi que nenhum estudioso sério, hoje, avança mais na hipótese de que a Eucaristia cristã seja explicada à luz da ceia em voga em alguns cultos mistéricos do helenismo, como se tentou fazer por mais de um século.

Os Padres da Igreja consideraram as Escrituras do povo hebreu, mas não a sua liturgia, à qual não tinham mais acesso, após a separação da Igreja da Sinagoga. por isso, eles utilizaram as figuras contidas nas Escrituras ‒ o cordeiro pascal, o sacrifício de Isaac, o de Melquisedec, o maná ‒, mas não o contexto litúrgico concreto em que o povo hebreu celebrava todas essas recordações, isto é, a refeição ritual celebrada, uma vez por ano, na ceia pascal (o Seder) e, semanalmente, no culto sinagogal. O primeiro nome com que a Eucaristia é designada no Novo Testamento por Paulo é o de “ceia do Senhor” (kuriakon deipnon) (1Cor 11,20), com referência evidente à ceia hebraica, da qual já se diferencia pela fé em Jesus. A Eucaristia é o sacramento da continuidade entre Antigo e Novo Testamento, entre judaísmo e cristianismo.

A Eucaristia e a Beraká hebraica

É esta a perspectiva em que se situa Bento XVI, no capítulo dedicado à instituição da Eucaristia em seu segundo volume sobre Jesus de Nazaré. Seguindo a opinião já predominante entre os estudiosos, ele aceita a cronologia joanina, segundo a qual a última ceia de Jesus não foi uma ceia pascal, mas foi uma solene refeição de despedida (a “última ceia”!) e considera que se possa “traçar o desenvolvimento da eucharistia cristã, isto é, do cânon, a partir da beraká hebraica”[2].

Por várias razões culturais e históricas, a partir da Escolástica em diante, buscou-se explicar a Eucaristia à luz da filosofia, particularmente, das noções aristotélicas de substância e de acidentes. Isto era também um pôr a serviço da fé os novos conhecimentos do momento e, portanto, um imitar o método dos Padres. Em nossos dias, devemos fazer o mesmo com os novos conhecimentos, desta vez, de ordens históricas e litúrgicas, mais do que filosóficas. Eles têm a vantagem de ser as categorias com que pensava e falava Jesus, que não eram, certamente, os conceitos aristotélicos de matéria e forma, substância e acidentes, mas as de sinal e realidade e de memorial.

Na linha de alguns estudos recentes, sobretudo o de L. Bouyer, gostaria de mostrar a vívida luz que é lançada sobre a Eucaristia cristã quando colocamos as narrativas evangélicas da instituição como pano de fundo do que sabemos da refeição ritual hebraica. A novidade do gesto de Jesus não parecerá diminuída, mas exaltada ao máximo.

O elo entre o antigo e o novo rito é dado pela Didaké, um escrito da era apostólica, que podemos considerar o primeiro esboço de anáfora eucarística. O rito sinagogal era composto por uma série de orações chamadas de “berakah”, que em grego é traduzido por “Eucarestia”. No início da refeição, cada um, à sua vez, tomava em mãos um cálice de vinho e, antes de levá-lo aos lábios, repetia uma bênção que a liturgia atual nos faz repetir quase literalmente no momento do ofertório: “Sê bendito, Senhor, nosso Deus, Rei dos séculos, que nos deste este fruto da videira”.

Mas a refeição começava oficialmente apenas quando o pai de família, ou o chefe da comunidade, tivesse partido o pão que devia ser distribuído entre os comensais. E, de fato, Jesus toma o pão, recita a bênção e o distribui dizendo: “Isto é o meu corpo…” E aqui, o rito ‒ que era apenas uma preparação ‒ torna-se a realidade.

Depois da bênção do pão, eram servidos os pratos de costume. Quando a refeição está prestes a terminar, os comensais estão prontos para o grande ato ritual que conclui a celebração e lhe dá o significado mais profundo. Todos lavam as mãos, como no início. Feito isto, tendo diante de si um cálice de vinho misturado com água, quem preside convida a fazer as três orações de agradecimento: a primeira a Deus criador, a segunda pela libertação do Egito, a terceira porque a sua obra continua no presente. Terminada a oração, o cálice passava de mão em mão e cada um bebia. Este, o rito antigo realizado por Jesus em vida.

Lucas afirma que, após ter ceado, Jesus tomou o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova Aliança no meu Sangue, que é derramado por vós”. Algo de decisivo acontece no momento em que Jesus acrescenta estas palavras à fórmula das orações de agradecimentos, isto é, à beraká hebraica. Aquele rito era um banquete sagrado, no qual se celebrava e se agradecia a um Deus salvador, que tinha redimido o seu povo para estreitar com ele uma aliança de amor, concluída no sangue de um cordeiro. A refeição diária bendizia Deus por aquela Aliança, mas agora, no momento e, que Jesus decide dar a vida pelos seus como o verdadeiro cordeiro, ele declarou concluída aquela velha Aliança que todos juntos estavam celebrando liturgicamente.

Naquele momento, com poucas e simples palavras, ele estreita com os seus a nova e eterna Aliança no seu Sangue. Acrescentando as palavras “fazei isto em memória de mim”, Jesus confere um alcance duradouro ao seu dom. Do passado, o olhar se projeta ao futuro. Tudo quanto ele fez até agora na ceia é posto em nossas mãos. Repetindo aquilo que ele fez, renova-se aquele ato central da história humana, que é a sua morte pelo mundo. A figura do cordeiro pascal que, na cruz, torna-se evento, na ceia nos é dado como sacramento, isto é, como memorial perene do evento.

Sacerdote e vítima

Isto, dizia eu, no que se refere ao aspecto litúrgico e ritual. Passemos agora à outra consideração, àquela de tipo pessoal e existencial, em outras palavras, ao papel que desempenhamos nós, sacerdotes e fiéis, em tal momento da Missa. Para compreender o papel do sacerdote na consagração, é de vital importância conhecer a natureza do sacrifício e do sacerdócio de Cristo, pois é deles que deriva o sacerdócio cristão, seja o batismal comum a todos, seja o dos ministros ordenados.

Nós não somos mais, na realidade, “sacerdotes segundo a ordem de Melquisedec”; sosmos sacerdotes “segundo a ordem de Jesus Cristo”; sobre o altar, agimos “in persona Christi”, isto é, representamos Sumo Sacerdote que é Cristo. Sobre este tema, o Simpósio sobre o sacerdócio, acontecido nesta Sala no mês passado, disse infinitamente mais do que eu posso dizer nesta minha breve reflexão (preparada, além do mais, antes daquela data), mas é também necessário dizer algo aqui para a compreensão da Eucaristia.

A Carta aos Hebreus explica em que consiste a novidade e a unicidade do sacerdócio de Cristo: “Ele entrou no Santuário, não com o sangue de bodes e bezerros, mas com seu próprio sangue, e isto, uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). Todo sacerdote oferece algo de exterior a si mesmo, Cristo ofereceu a si mesmo; todo outro sacerdote oferece vítimas, Cristo se ofereceu vítima!

Santo Agostinho encerrou em poucas palavras a natureza deste novo gênero de sacerdócio, em que sacerdote e vítima são a mesma pessoa: “Ideo sacerdos quia sacrificium”, sacerdote porque vítima[3]. Um notável estudioso definiu esta novidade do sacrifício de Cristo como “o fato central na história religiosa da humanidade”, que pôs fim para sempre à intrínseca aliança entre o sacro e a violência[4].

Em Cristo, é Deus quem se faz vítima. Não são mais os seres humanos que oferecem sacrifícios a Deus para aplacá-lo e torná-lo favorável; é Deus quem sacrifica a si mesmo pela humanidade, entregando à morte por nós o seu Filho unigênito (cf. Jo 3,16). Jesus não veio com o sangue alheio, mas com o próprio sangue; não pôs os seus pecados sobre as costas de outros – animais ou criaturas humanas –, mas pôs os pecados dos outros sobre as suas costas: “Carregou nossos pecados em seu próprio corpo, sobre o lenho da cruz” (1Pd 2,24). Tudo isso significa que, na Missa, nós devemos ser ao mesmo tempo sacerdotes e vítimas.

À luz disso, reflitamos sobre as palavras da consagração: “Tomai, comei: isto é o meu corpo, que será entregue por vós”. Quero dizer, a este propósito, a minha pequena experiência, isto é, como cheguei a descobrir o alcance eclesial e pessoal da consagração eucarística. Eis como eu vivia o momento da consagração na santa Missa nos primeiros anos do meu sacerdócio: eu fechava os olhos, inclinava a cabeça, buscava alienar-me de tudo o que me circundava, para me identificar em Jesus que, no Cenáculo, pronunciou pela primeira vez aquelas palavras: “Accipite et manducate: Tomai, comei…”. A própria liturgia inculcava esta postura, fazendo pronunciar as palavras da consagração a baixa voz e em latim, inclinado sobre as espécies.

Em seguida, houve a reforma litúrgica do Vaticano II. Começou-se a celebrar a Missa olhando a assembleia; não mais em latim, mas na língua do povo. Isto me ajudou a entender que aquela minha postura, sozinho, não exprimia todo o significado da minha participação na consagração. Aquele Jesus do Cenáculo não existe mais! Existe o Cristo ressuscitado: o Cristo, para sermos exatos, que morreu, mas agora vive para sempre (cf. Ap 1,18). Mas estes Jesus é o “Cristo total”, Cabeça e corpo inseparavelmente unidos. Portanto, se é este Cristo total que pronuncia as palavras da consagração, eu também as pronuncio com ele. Eu as pronuncio, sim, “in persona Christi”, em nome de Cristo, mas também “em primeira pessoa”, isto é, em meu nome.

A partir daquele dia em que compreendi isso, comecei a não mais fechar os olhos no momento da consagração, mas a olhar – ao menos vez ou outra ‒ os irmãos que tenho diante, ou, se celebro sozinho, penso naqueles que devo encontrar durante o dia e aos quais devo dedicar o meu tempo, ou penso mesmo em toda a Igreja e, voltado para eles, digo com Jesus: “Tomai, todos, e comei: isto é o meu corpo, que quero dar por vós… Tomai, todos, e bebei: isto é o meu sangue, que quero derramar por vós”.

Em seguida, veio Santo Agostinho a tirar-me toda dúvida. “Naquilo que oferece, a Igreja oferece a si mesma”[5], escreve em uma famosa passagem do De civitate Dei. Mais perto de nós, a mística mexicana Concepción Cabrera de Armida, familiarmente chamada Conchita, falecida em 1937 e beatificada pelo Papa Francisco em 2019, ao filho jesuíta, prestes a ser ordenado sacerdote, escreveu estas palavras: “Lembre-se, meu filho, quando tiver na mão a Hóstia Sagrada, não dirá: ‘Aqui está o corpo de Jesus, aqui está o seu sangue’, mas dirá: ‘Isto é o meu corpo, este é o meu sangue’: isto é, um a transformação deve ocorrer em você total, você deve se perder nele, ser outro Jesus”.[6]

Tudo isso não se aplica apenas aos bispos e sacerdotes ordenados, mas a todos os batizados. Um famoso texto do Concílio assim se expressa:

“Os fiéis, por sua parte, concorrem para oblação da Eucaristia em virtude do seu sacerdócio real… Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela; assim, quer pela oblação quer pela sagrada comunhão, não indiscriminadamente, mas cada um a seu modo, todos tomam parte na ação litúrgica”[7].

Há dois corpos de Cristo sobre o altar: há o seu corpo real (o corpo “nascido da Virgem Maria”, morto, ressuscitado e subido ao céu) e há o seu corpo místico, que é a Igreja. Contudo, sobre o altar, está presente realmente o seu corpo real e está presente misticamente o seu corpo místico, em que “misticamente” significa: por força da sua inseparável união com a Cabeça. Nenhuma confusão entra as duas presenças, que são distintas, mas inseparáveis.

Dado que há duas “ofertas” e dois “dons” sobre o altar – o que deve se tornar o corpo e o sangue de Cristo (o pão e o vinho) e o que deve se tornar o corpo místico de Cristo –, assim há também duas “epicleses” na Missa, isto é, duas invocações do Espírito Santo. Na primeira, reza-se: “Por isso, nós vos suplicamos: santificai pelo Espírito Santo as oferendas que vos apresentamos para serem consagradas, a fim de que se tornem o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo”; na segunda, que se recita após a consagração, reza-se: “sejamos repletos do Espírito Santo e nos tornemos em Cristo um só corpo e um só espírito. Que ele faça de nós uma oferenda perfeita”.

Eis como a Eucaristia faz a Igreja: a Eucaristia faz a Igreja, fazendo da Igreja uma Eucaristia! A Eucaristia não é apenas, genericamente, a fonte ou a causa da santidade da Igreja; é também a sua “forma”, isto é, o modelo. A santidade do cristão deve se realizar segundo a “forma” da Eucaristia; deve ser uma santidade eucarística. O cristão não pode se limitar a celebrar a Eucaristia, deve ser Eucaristia com Jesus.

O corpo e o sangue

Agora podemos tirar as consequências práticas desta doutrina para a nossa vida diária. Se, na consagração, também somos nós que dizemos, voltados aos irmãos: “Tomai, comei: isto é o meu corpo. Tomai, comei: isto é o meu sangue”, devemos saber o que significam “corpo” e “sangue”, para saber o que oferecemos.

A palavra “corpo” não indica, na Bíblia, um componente, ou uma parte, do homem que, unido aos outros componentes que são a alma e o espírito, forma o homem completo. Na linguagem bíblica e, portanto, na de Jesus e de Paulo, “corpo” indica o homem inteiro, na medida em que vive a sua vida em um corpo, em uma condição corpórea e mortal. “Corpo”, portanto, indica toda a vida. Ao instituir a Eucaristia, Jesus nos deixou toda a sua vida como um dom, desde o primeiro momento da encarnação até o último momento, com tudo o que preenchia concretamente aquela vida: silêncio, suor, fadigas, oração, lutas, humilhações…

Em seguida, Jesus diz: “Isto é o meu sangue”. O que acrescenta com a palavra “sangue”, se já nos deu toda a sua vida em seu corpo? Acrescenta a morte! Depois de nos ter dado a vida, ele também nos dá a parte mais preciosa dela, a sua morte. De fato, o termo “sangue”, na Bíblia, não indica uma parte do corpo, isto é, uma parte de uma parte do homem; indica um evento: a morte. Se o sangue é a sede da vida (assim se pensava então), seu “derramamento” é o sinal plástico da morte. A Eucaristia é o mistério do corpo e do sangue do Senhor, isto é, da vida e da morte do Senhor!

Agora, vindo a nós, o que oferecemos, oferecendo nosso corpo e nosso sangue, junto com Jesus, na Missa? Nós também oferecemos o que Jesus ofereceu: a vida e a morte. Com a palavra “corpo”, damos tudo o que constitui concretamente a vida que levamos neste mundo, a nossa experiência: tempo, saúde, energias, capacidades, afeto, talvez apenas um sorriso. O sorriso é algo que só um espírito que vive em um corpo pode fazer e é, às vezes, algo tão precioso. Com a palavra “sangue”, também nós expressamos a oferta da nossa morte. Não necessariamente a morte definitiva, o martírio por Cristo ou pelos irmãos. É morte tudo o que em nós, a partir de agora, prepara e antecipa a morte: humilhações, fracassos, doenças que imobilizam, limitações causadas pela idade, pela saúde, tudo isso, em uma palavra, que nos “mortifica”.

Tudo isso exige, contudo, que nós, assim que saímos da Missa, empenhemo-nos em cumprir o que dissemos; que realmente nos esforcemos, com todas as nossas limitações, para oferecer aos irmãos o nosso “corpo”, isto é, o tempo, as energias, a atenção; em uma palavra, a nossa vida. É preciso, portanto, que, depois de ter dito aos irmãos: “Tomai, comei”, nós nos deixemos realmente “comer”, e nos deixemos comer sobretudo por quem não o faz com toda a delicadeza e cortesia que esperaríamos. Santo Inácio de Antioquia, a caminho de Roma para aí morrer mártir, escrevia: “Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me o puro pão de Cristo”[8]. Cada um de nós, se olhar bem ao redor, verá esses dentes afiados de feras que ameaçam: são críticas, contrastes, oposições ocultas ou às claras, divergências de opiniões com quem está ao nosso lado, diversidades de caráter.

Tentemos imaginar o que aconteceria se celebrássemos a Missa com esta participação pessoal, se todos realmente disséssemos, no momento da consagração, quem em voz alta, quem em silêncio, segundo o ministério de cada um: “Tomai, comei”. Um sacerdote, um pároco e, mais ainda, um bispo, celebra assim a sua Missa, depois sai: reza, prega, confessa, recebe pessoas, visita doentes, escuta… Também o seu dia é Eucaristia. Um grande mestre espiritual francês, Pierre Olivaint (1816-1871), dizia: “De manhã, na Missa, eu sou sacerdote e Jesus é vítima; ao longo do dia, Jesus é sacerdote e eu, vítima”. Assim um sacerdote imita o “bom Pastor”, porque dá realmente a vida pelas suas ovelhas.

A nossa assinatura sobre o dom

Gostaria de resumir, com a ajuda de um exemplo humano, o que acontece na celebração eucarística. Pensemos em uma numerosa família na qual há um filho, o primogênito, que admira e ama sem medidas o próprio pai. Pelo seu aniversário, que dar-lhe um presente precioso. Antes de presenteá-lo, porém, pede secretamente a todos os seus irmãos e irmãs para pôr sua assinatura sobre o presente. Este chega às mãos do pai, portanto, como sinal de amor de todos os seus filhos, indistintamente, mesmo se, na realidade, apenas um pagou o preço dele.

É o que acontece no sacrifício eucarístico. Jesus admira e ama sem medidas o Pai celeste. A Ele, quer dar, cada dia, até o fim do mundo, o dom mais precioso que se possa imaginar, o da sua própria vida. Na Missa, ele convida todos os seus irmãos e irmãs a pôr a própria assinatura sobre o dom, de maneira que ele chegue a Deus Pai como dom indistinto de todos os seus filhos, ainda que apenas um tenha pagado o preço de tal dom. E que preço!

A nossa assinatura são as poucas gotas de água que são misturadas ao vinho no cálice. Não são mais do que água, mas, misturadas no cálice, tornam-se uma única bebida. A assinatura de todos é o solene Amém que a assembleia pronuncia, ou canta, ao término da doxologia: “Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória, agora e para sempre… AMÉM!”.

Sabemos que quem assinou um compromisso, tem o dever de honrar a própria assinatura. Isto quer dizer que, saindo da Missa, devemos fazer também nós da nossa vida um dom de amor ao Pai e aos irmãos. Nós, repito, não somos chamados apenas a celebrar a Eucaristia, mas também a nos fazer eucaristia. Que Deus nos ajude nisto!

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2º Domingo da Quaresma

Deus de infinita bondade, que nos mandais ouvir o vosso amado Filho, fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra, de modo que, purificado o nosso olhar espiritual, possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

«Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto»

A Transfiguração aparece todos os anos no Segundo Domingo da Quaresma, como anúncio da Ressurreição, de modo que, ao longo deste tempo de preparação pascal, estejamos bem conscientes de que o termo, para onde caminhamos, é Jesus ressuscitado. A Transfiguração, lida neste Domingo depois do Domingo da Tentação, faz com ela uma espécie de preâmbulo, antes de chegarmos à parte central da Quaresma. Mortificação e glorificação, tentação e glória, morte e ressurreição, são de facto, a síntese do mistério pascal que vamos celebrar.

Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspecto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto.

Lc 9, 28b-36
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A LITURGIA DA PALAVRA – 1ª Pregação da Quaresma 2022

Nesta sexta-feira, 11 de março, o pregador da Casa Pontifícia, cardeal Raniero Cantalamessa, OFMCap, propôs à Cúria Romana a primeira pregação da Quaresma: “A Liturgia da Palavra”.

https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2022-03/i-pregacao-quaresma-2022-cardeal-raniero-cantalamessa.html

Entre os vários males que a pandemia da Covid tem causando à humanidade, houve ao menos um efeito positivo do ponto de vista da fé. Ela nos fez tomar consciência da necessidade que temos da Eucaristia e do vazio que cria a sua falta. Durante o período mais agudo da pandemia em 2020, fiquei fortemente impressionado – e comigo, penso que muitos outros – com o que significava assistir pela televisão toda manhã à Santa Missa celebrada pelo Papa Francisco em Santa Marta.

Algumas igrejas locais e nacionais decidiram dedicar o ano corrente a uma catequese especial sobre a Eucaristia, em vista de um desejado renascimento eucarístico na Igreja católica. Parece-me uma decisão oportuna e um exemplo a ser seguido. Por isso, pensei em dar uma pequena colaboração ao projeto, dedicando as reflexões desta Quaresma a uma revisitação do mistério eucarístico.

A Eucaristia está no centro de todo tempo litúrgico, da Quaresma, não menos que nos demais tempos. É o que celebramos cada dia, a Páscoa diária. Cada pequeno progresso na sua compreensão se traduz em um progresso na via espiritual da pessoa e da comunidade eclesial. Contudo, ela é também, infelizmente, a coisa mais exposta, pela sua repetitividade, a cair na rotina, a se tornar coisa habitual. São João Paulo II, na Carta Ecclesia de Eucharistia de abril de 2003, diz que os cristãos devem redescobrir e manter sempre vivo “o estupor eucarístico”. Assim, a este fim, gostariam de servir as nossas reflexões: a reencontrar o estupor eucarístico.

Falar da Eucaristia em tempo de pandemia e agora, por acréscimo, com cenas de guerra diante dos olhos, não é um alienarmo-nos da realidade dramática em que vivemos, mas um convite a olhá-la de um ponto de vista superior e menos contingente. A Eucaristia é a presença na história do evento que inverteu para sempre os papéis entre vencedores e vítimas. Na cruz, Cristo fez da vítima o verdadeiro vencedor: “Victor quia victima”, assim define Santo Agostinho: vencedor justamente porque vítima. A Eucaristia nos oferece a verdadeira chave de leitura da história. Nos assegura que Jesus está conosco, não apenas intencionalmente, mas realmente neste nosso mundo que parece escapar de nossas mãos a qualquer momento. Ele nos repete: “Tenha coragem: eu venci o mundo!” (Jo 16:33).

A Eucaristia na história da salvação

Que posto ocupa a Eucaristia na história da salvação? A resposta é: não ocupa um lugar, mas a ocupa inteiramente! A Eucaristia é coextensiva à história da salvação. Ela, porém, está presente em três modos diversos, nos três diversos tempos, ou fases, da salvação: está presente no Antigo Testamento como figura; está presente no Novo Testamento como evento e está presente no tempo da Igreja como sacramento. A figura antecipa e prepara o evento, o sacramento “prolonga” e atualiza o evento.

No Antigo Testamento, dizia eu, a Eucaristia está presente “em figura”. Uma destas figuras era o maná, uma outra era o sacrifício de Melquisedec, uma outra ainda era o sacrifício de Isaac. Na sequência Lauda Sion Salvatorem, composta por Santo Tomás de Aquino para a festa de Corpus Christi, canta-se: “As figuras o simbolizam: é Isaac que se imola, o cordeiro que se destina à Páscoa, o maná dado a nossos pais”: In figúris præsignátur, / cum Isaac immolátur: /agnus paschæ deputátur: /datur manna pátribus.  Enquanto figuras da Eucaristia, Santo Tomás chama estes ritos de “os sacramentos da antiga Lei”[1].

Com a vinda de Cristo e o seu mistério de morte e ressurreição, a Eucaristia não está mais presente como figura, mas como evento, como realidade. Nós o chamamos “evento” porque é algo historicamente acontecido, um fato único no tempo e no espaço, ocorrido apenas uma vez (semel) e irrepetível: Cristo, “na plenitude dos tempos, uma vez por todas, se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb 9,26).

Enfim, no tempo da Igreja, a Eucaristia, eu dizia, está presente como sacramento, isto é, no sinal do pão e do vinho, instituído por Cristo. É importante que compreendamos bem a diferença entre o evento e o sacramento: na prática, a diferença entre a história e a liturgia. Deixemo-nos ajudar por Santo Agostinho.

Nós – afirma o santo doutor – sabemos e cremos com fé certíssima que Cristo morreu uma só vez por nós, ele, justo pelos pecadores, ele, Senhor pelos servos. Sabemos perfeitamente que isso aconteceu uma só vez; e, contudo, o sacramento periodicamente o renova, como se se repetisse várias vezes o que a história proclama ter acontecido uma só vez. E, ainda assim, evento e sacramento não contrastam entre si, quase como se o sacramento fosse enganoso e apenas o evento fosse real. De fato, do que a história afirma ter acontecido na realidade, uma só vez, o sacramento renova (renovat) frequentemente a celebração disso no coração dos fiéis. A história desvela o que aconteceu uma vez e como aconteceu, a liturgia faz com que o passado não seja esquecido; não no sentido de que o faz acontecer de novo (non faciendo), mas no sentido de que o celebra (sed celebrando)[2].

Precisar o nexo que existe entre o sacrifício único da cruz e a Missa é algo bem delicado e tem sido sempre um dos pontos de maior discordância entre católicos e protestantes. Agostinho usa, como vimos, dois verbos: renovar celebrar, que são justíssimos, com a condição, porém, de serem compreendidos um à luz do outro: a Missa renova o evento da cruz celebrando-o (não reiterando-o!) e o celebra renovando-o (não apenas recordando-o!). A palavra, na qual se realiza hoje o maior consentimento ecumênico, é talvez o verbo (usado também por Paulo VI, na Encíclica Mysterium fideirepresentar, compreendido no sentido forte de re-apresentar, isto é, tornar novamente presente[3]. Neste sentido, dizemos que a Eucaristia “representa” a cruz.

Segundo a história, houve, portanto, uma só Eucaristia, aquela realizada por Jesus com a sua vida e a sua morte; segundo a liturgia, ao contrário, ou seja, graças ao sacramento, há tantas Eucaristias quantas são celebradas e serão celebradas até o fim do mundo. O evento se realizou uma só vez (semel), o sacramento se realiza “cada vez” (quotiescumque). Graças aos sacramento da Eucaristia, nós nos tornamos, misteriosamente, contemporâneos do evento; o evento se faz presente a nós e nós ao evento.

As nossas reflexões quaresmais terão por objeto a Eucaristia em seu estágio presente, isto é, como sacramento. Na Igreja antiga existia uma catequese especial, chamada mistagógica, que era reservada ao bispo e era ministrada depois, não antes, do batismo. O seu objetivo era revelar aos neófitos o significado dos ritos celebrados e as profundezas dos mistérios da fé: batismo, crisma ou unção, e, particularmente, a Eucaristia. O que nos propomos fazer é justamente uma pequena catequese mistagógica sobre a Eucaristia. Para permanecer o mais ancorados possível na natureza sacramental e ritual dela, seguiremos de perto o desenvolvimento da Missa em suas três partes – liturgia da palavra, liturgia eucarística e comunhão –, acrescentando no fim uma reflexão sobre o culto eucarístico fora da Missa.

Liturgia da palavra

Nos primeiríssimos dias da Igreja, a liturgia da Palavra era separada da liturgia eucarística. Os discípulos, referem os Atos dos Apóstolos, “dia após dia, unânimes, frequentavam o templo”; aí escutavam a leitura da Bíblia, recitavam os salmos e as orações, junto com os outros judeus; faziam o que se faz na liturgia da Palavra; depois se reuniam à parte, em suas casas, para “partir o pão”, isto é, para celebrar a Eucaristia (cf. At 2,46).

Bem cedo, contudo, esta praxe se tornou impossível, seja pela hostilidade da parte das autoridades hebraicas em relação a eles, seja porque as Escrituras tinham então adquirido para eles um sentido novo, orientado todo a Cristo. foi assim que também a escuta da Escritura se transferiu do templo e da sinagoga aos lugares de culto cristãos, assumindo pouco a pouco a fisionomia da atual liturgia da Palavra que precede a oração eucarística. Na descrição da celebração eucarística feita por São Justino no II século, não apenas a liturgia da Palavra é parte integrante dela, mas às leituras do Antigo Testamento se juntaram aquelas que o santo chama “as memórias dos apóstolos”, isto é, os Evangelhos e as Cartas, na prática o Novo Testamento[4].

Escutadas na liturgia, as leituras bíblicas assumem um sentido novo e mais forte do que quando lidas em outros contextos. Não têm tanto a finalidade de conhecer melhor a Bíblia, como quando é lida em casa ou em uma escola bíblica, quanto a de reconhecer aquele que se faz presente no partir o pão, de iluminar a cada vez um aspecto particular do mistério que está por se receber. Isto aparece, de modo quase programático, no episódio dos dois discípulos de Emaús. Foi escutando a explicação das Escrituras que o coração dos discípulos começou a se abrir, de modo que foram depois capazes de reconhece-lo “ao partir o pão” (Lc 24,1ss.). A de Jesus ressuscitado foi a primeira “liturgia da palavra” na história da Igreja!

Segunda característica: na Missa, as palavras e os episódios da Bíblia não são apenas narrados, mas revividos; a memória se torna realidade e presença. O que acontece “naquele tempo”, acontece “neste tempo”, “hoje” (hodie), como ama expressar-se a liturgia. Nós não somos apenas ouvintes da palavra, mas interlocutores e atores nela. É a nós, ali presentes, que é dirigida a palavra; somos chamados a assumir o lugar dos personagens evocados.

Alguns exemplos ajudarão a entender. Uma vez se lê, na primeira leitura, o episódio de Deus que fala a Moisés da sarça ardente: nós estamos, na Missa, diante da verdadeira sarça ardente… Uma outra vez, fala-se de Isaías que recebe nos lábios a brasa ardente que o purifica para a missão: nós estamos prestes a receber nos lábios a verdadeira brasa ardente, o fogo que Jesus veio trazer sobre a terra… Ezequiel é enviado para comer o rolo dos oráculos proféticos: nós nos aproximamos para comer aquele que é a própria palavra feita carne e feita pão.

A coisa se torna ainda mais clara se, do Antigo Testamento, passamos ao Novo, da primeira leitura ao trecho evangélico. A mulher que sofria de hemorragia está certa de ser curada se conseguir tocar a barra do manto de Jesus: o que dizer de nós, que estamos prestes a tocar bem mais do que a barra do seu manto? Uma vez, escutava no Evangelho o episódio de Zaqueu e fui tocado pela “atualidade”. Eu era Zaqueu; eram dirigidas a mim as palavras: “Hoje eu devo ficar na tua casa”; era de mim que se podia dizer: “Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!”, e era a mim, após tê-lo recebido na comunhão, que Jesus dizia: “Hoje a salvação entrou nesta casa” (cf. Lc 19,9).

Assim também de cada episódio evangélico. Como não se identificar na Missa com o paralítico ao qual Jesus diz: “Os teus pecados estão perdoados” e “Levanta-te e anda” (cf. Mc 2,5.11); com Simeão, que segura nos braços o Menino Jesus (cf. Lc 2, 27-28); com Tomé, que toca as suas feridas (Jo 20,27-28)? No segundo domingo do Tempo Comum do corrente ciclo litúrgico, há o trecho evangélico em que Jesus diz ao homem da mão paralisada: “‘Estende a mão’. Ele a estendeu e a mão ficou curada” (Mc 3,5). Nós não temos a mão paralisada; porém, temos todos, quem mais e quem menos, a alma paralisada, o coração ressecado. É a quem escuta que Jesus diz naquele momento: “Estende a tua mão! Estende o teu coração diante de mi, com a fé e a prontidão daquele homem”.

A Escritura proclamada durante a liturgia produz efeitos que estão acima de toda explicação humana, à maneira dos sacramentos que produzem o que significam. Os textos divinamente inspirados também têm um poder de cura. Após a leitura do trecho evangélico na Missa, a liturgia convida o ministro a beijar o livro dizendo: “Pelas palavras do santo Evangelho sejam perdoados os nossos pecados” (Per evangelica dicta deleantur nostra delicta).

Ao longo da história da Igreja, eventos de época aconteceram como resultado da escuta das leituras bíblicas durante a Missa. Um jovem ouviu um dia o trecho evangélico em que Jesus diz a um jovem rico: “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem, e segue-me” (cf. Mt 19,21). Entendeu que aquela palavra era dirigida a ele pessoalmente, por isso, foi para casa, vendeu tudo o que tinha e se retirou no deserto. Seu nome era Antão, o iniciador do monaquismo. Muitos séculos depois, em Assis, um outro jovem, há pouco convertido, entrou em uma igreja com um amigo. No Evangelho do dia, Jesus dizia aos seus discípulos: “Não leveis nada pelo caminho: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas” (Lc 9,3). O jovem se voltou ao seu amigo e disse: “Ouviste isso? É isso que o Senhor que façamos também nós”. E iniciou daí a ordem franciscana.

A liturgia da Palavra é a melhor fonte que temos para fazer cada vez, da Missa, uma celebração nova e atraente, evitando assim o grande perigo de uma repetição monótona que, especialmente os jovens, acham entediante. Para que isto se realize, devemos investir mais tempo e oração na preparação da homilia. Os fiéis deveriam poder entender que a palavra de Deus toca as situações reais da vida e é a única a ter respostas às questões mais sérias da existência.

Há dois modos de preparar uma homilia. Alguém pode se sentar à escrivaninha e escolher o tema em base às próprias experiências e conhecimentos; assim, uma vez preparado o texto, pôr-se de joelhos e pedir a Deus para que infunda o Espírito nas próprias palavras. É algo bom, mas não é um modo profético. Para sermos proféticos, é preciso seguir a via inversa: antes, pôr-se de joelhos e perguntar a Deus qual é a palavra que ele quer fazer ressoar para seu povo

Deus, de fato, tem uma sua palavra para cada ocasião e não deixa de revelá-la ao seu ministro que a pedir humildemente e com insistência. No início, não se tratará mais do que um pequeno movimento do coração, uma luz que se acende na mente, uma palavra da Escritura que chama a atenção e que lança luz sobre uma situação vivida. Trata-se, aparentemente, de uma pequena semente, mas contém o que o povo precisa escutar naquele momento.

Depois disso, alguém pode se sentar à escrivaninha, abrir os próprios livros, consultar anotações, reunir e organizar os próprios pensamentos, consultar os Padres da Igreja, os mestres, às vezes, os poetas; mas agora, não é mais a palavra de Deus que está à serviço da sua cultura, mas a sua cultura a serviço da palavra de Deus. Só assim a Palavra manifesta o seu poder intrínseco.

A obra do Espírito Santo

Mas é preciso acrescentar uma cosa: toda a atenção dada à palavra de Deus, por si só, não basta. Sobre ela deve descer “a força do alto”. Na Eucaristia, a ação do Espírito Santo não é limitada apenas ao momento da consagração, à epiclese que se recita antes dela A sua presença é igualmente indispensável para a liturgia da palavra, e veremos, a seu tempo, para a comunhão.

O Espírito Santo continua, na Igreja, a ação do Ressuscitado que, após a Páscoa, “abria a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras” (cf. Lc 24,45). A escritura, afirma a Dei Verbum, do Concílio Vaticano II, “deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita”[5]. Na liturgia da palavra, a ação do Espírito Santo é exercida mediante a unção espiritual presente em quem fala e em quem escuta.

“O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou com a unção
para anunciar a Boa-nova aos pobres” (Lc 4,18).

Jesus indicou assim de onde tira força a palavra anunciada. Seria um erro confiar-se apenas na unção sacramental que recebemos uma vez por todas na ordenação sacerdotal ou episcopal. Ela nos habilita a cumprir certas ações sagradas, como governar, pregar e ministrar os sacramentos. Ela nos dá, por assim dizer, a autorização para fazer certas coisas, não necessariamente algo da autoridade que as multidões percebiam quando Jesus falava; assegura a sucessão apostólica, não necessariamente o sucesso apostólico!

Mas se a unção é dada pela presença do Espírito e é seu dom, o que podemos fazer para tê-la? Primeiramente, devemos partir de uma certeza: “Nós recebemos a unção do Santo”, assegura-nos São João (1Jo 2,20). Ou seja, graças ao batismo e à crisma – e, para alguns, à ordenação presbiteral ou episcopal –, nós já possuímos a unção. Na verdade, segundo a doutrina católica, ela imprimiu em nossa alma um caráter indelével, como uma marca ou um selo: “É Deus – escreve o Apóstolo – que nos confirma juntamente convosco, em Cristo, como também é Deus que nos ungiu, nos marcou com seu selo e deu-nos, em nossos corações, a garantia Espírito” (2Cor 1,21-22).

Esta unção, porém, é como um unguento perfumado fechado em um vaso: permanece inerte e não libera nenhum perfume se não se quebrar e não se abrir o vaso. Assim acontece com o caso de alabastro quebrado pela mulher do evangelho, cujo perfume encheu a casa inteira (Mc 14,3). Aí está onde se insere a nossa parte em relação à unção. Ela não depende de nós, mas depende de nós remover os obstáculos que impedem sua irradiação. Não é difícil entender o que significa para nós quebrar o vaso de alabastro. O vaso é a nossa humanidade, o nosso eu, às vezes, o nosso árido intelectualismo. Quebrá-lo, significa pôr-se em estado de submissão a Deus e de resistência ao mundo.

Felizmente, nem tudo é confiado ao esforço ascético. Muito mais, nesse caso, a fé, a oração, a humilde súplica. Pedir, assim, a unção antes de nos dirigirmos a uma pregação ou a uma ação importante a serviço do Reino. Enquanto nos preparamos à leitura do evangelho e à homilia, a liturgia nos faz pedir ao Senhor para purificar o nosso coração e os nossos lábios para poder anunciar dignamente o evangelho. Por que não dizer, vez ou outra (ou ao menos pensar para si mesmo): “Ó Deus todo-poderoso, ungi-me o coração e os lábios, para que eu anuncie com a doçura e a força do Espírito a vossa palavra”?

A unção não é necessária apenas aos pregadores para proclamar eficazmente a palavra, também o é aos ouvintes para acolhê-la. O evangelista João escrevia à sua comunidade: “Vós já recebestes a unção do Santo e todos tendes conhecimento… a unção que recebestes da parte de Jesus permanece convosco e não tendes necessidade de que alguém vos ensine” (1Jo 2,20.27). Não significa que todo ensinamento seja inútil. Por que, então, João escreve a sua carta e nós lhes pregamos?, comenta Agostinho, e responde: “É o mestre interior quem realmente instrui, é Cristo e a sua inspiração a instruir. Quando falta a sua inspiração e a sua unção, as palavras externas fazem apenas um inútil ruído”[6].

Esperamos que também hoje Cristo nos tenha instruído com sua inspiração interior e o meu falar não tenha sido “um inútil ruído”.

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Jovens, sejam originais!

Mensagem do Papa Francisco para o jovens em vista da próxima Jornada Mundial da Juventude que será realizada em agosto de 2023 em Lisboa

Queridos jovens, bom dia! 

Estou a olhar para agosto de 2023! A um ano e alguns meses… 

Estou a olhar para Portugal, estou a olhar para Lisboa, estou a olhar para Fátima, estou a olhar para o encontro de todos vocês… 

E vocês, em Portugal e nos vários países, estão a trabalhar como voluntários e a olhar no mesmo sentido. 

E não é fácil! Não é fácil porque andamos de crise em crise. 

Saímos de uma crise pandémica, entramos numa crise económica e agora estamos na crise da guerra, que é um dos piores males que pode acontecer! 

No meio de todas estas crises, vocês têm de preparar e ajudar para que o evento de agosto de 2023 seja um evento jovem, um evento fresco, um evento com vida, um evento com força, um evento criativo. 

Não vivam dos rendimentos, do que se fez nos outros encontros. Vocês têm de criar o encontro. Se vocês não forem criativos, se vocês não forem poetas, este encontro não vai resultar, não vai ser original, vai ser uma fotocópia de outros encontros. E como dizia o jovem beato italiano: cada um de nós tem de ser original, não uma fotocópia. E o encontro tem de ser original, com o contributo de todos. Vocês têm de o criar. Animem-se e sigam em frente! 

As crises superam-se juntos, não sós. E as crises põem-nos à prova para sairmos melhores. Iguais não se sai das crises: saímos melhores ou piores. E o desafio que se coloca hoje é para sairmos melhores! E o melhor de vocês é serem criativos: vocês são criativos, poetas! Façam essa poesia da criatividade a olhar para agosto de 2023. 

Acompanho-os desde aqui! Rezo por vocês e vocês façam-no por mim. E rezo por todos os jovens que vão participar, seja pessoalmente, seja por meios telemáticos. 

Rezo para que este encontro seja um encontro fecundo. Que cada um de nós saia melhor do que chegou. Peço-lhes, por favor, que rezem por mim, porque eu também preciso que me sustentem com a oração. 

Que Jesus os abençoe e a Virgem cuide de vocês! 

Até agosto!! 

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1º Domingo da Quaresma

Concedei-nos, Deus omnipotente, que, pela observância quaresmal, alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo e a nossa vida seja dele um digno testemunho. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

«Esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado»

A tentação no Deserto não foi um acontecimento isolado. Foi o começo duma luta contra o «príncipe deste mundo», que se prolongará por toda a vida, atingindo o auge com a Morte em Jerusalém.
Como a de Jesus, a vida do cristão conhece também a prova da tentação. O Baptismo, que nos faz filhos de Deus, não nos introduz num estado de segurança. É antes o começo de dura caminhada, no decorrer da qual a nossa fidelidade a Deus é, muitas vezes, posta à prova.
Em todas as circunstâncias, porém, o cristão poderá ser invencível. Cristo Ressuscitado, que venceu, definitivamente, o mal, ficou na Eucaristia, para nos comunicar esse poder.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo. Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’». O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’». Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». Então o Diabo, tendo terminado toda a espécie de tentação, retirou-se da presença de Jesus, até certo tempo.

Palavra da salvação.

Lc 4, 1-13

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA A QUARESMA DE 2022

«Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos»

(Gal 6, 9-10a)

Queridos irmãos e irmãs!

A Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária que nos conduz à Páscoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado. Aproveitemos o caminho quaresmal de 2022 para refletir sobre a exortação de São Paulo aos Gálatas: «Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo (kairós), pratiquemos o bem para com todos» (Gal 6, 9-10a).

Sementeira e colheita

Neste trecho, o Apóstolo evoca a sementeira e a colheita, uma imagem que Jesus muito prezava (cf. Mt 13). São Paulo fala-nos dum kairós: um tempo propício para semear o bem tendo em vista uma colheita. Qual poderá ser para nós este tempo favorável? Certamente é a Quaresma, mas éo também a nossa inteira existência terrena, de que a Quaresma constitui de certa forma uma imagem. Muitas vezes, na nossa vida, prevalecem a ganância e a soberba, o anseio de possuir, acumular e consumir, como se vê no homem insensato da parábola evangélica, que considerava assegurada e feliz a sua vida pela grande colheita acumulada nos seus celeiros (cf. Lc 12, 16-21). A Quaresma convida-nos à conversão, a mudar mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no possuir do que no doar, menos no acumular do que no semear o bem e partilhá-lo.

O primeiro agricultor é o próprio Deus, que generosamente «continua a espalhar sementes de bem na humanidade» (Enc. Fratelli tutti, 54). Durante a Quaresma, somos chamados a responder ao dom de Deus, acolhendo a sua Palavra «viva e eficaz» (Heb 4, 12). A escuta assídua da Palavra de Deus faz maturar uma pronta docilidade à sua ação (cf. Tg 1, 19.21), que torna fecunda a nossa vida. E se isto já é motivo para nos alegrarmos, maior motivo ainda nos vem da chamada para sermos «cooperadores de Deus» (1 Cor 3, 9), aproveitando o tempo presente (cf. Ef 5, 16) para semearmos, também nós, praticando o bem. Esta chamada para semear o bem deve ser vista, não como um peso, mas como uma graça pela qual o Criador nos quer ativamente unidos à sua fecunda magnanimidade.

E a colheita? Porventura não se faz toda a sementeira a pensar na colheita? Certamente; o laço estreito entre a sementeira e a colheita é reafirmado pelo próprio São Paulo, quando escreve: «Quem pouco semeia, também pouco há de colher; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá» (2 Cor 9, 6). Mas de que colheita se trata? Um primeiro fruto do bem semeado, temo-lo em nós mesmos e nas nossas relações diárias, incluindo os gestos mais insignificantes de bondade. Em Deus, nenhum ato de amor, por mais pequeno que seja, e nenhuma das nossas «generosas fadigas» se perde (cf. Exort. Evangelii gaudium, 279). Tal como a árvore se reconhece pelos frutos (cf. Mt 7, 16.20), assim também a vida repleta de obras boas é luminosa (cf. Mt 5, 14-16) e difunde pelo mundo o perfume de Cristo (cf. 2 Cor 2, 15). Servir a Deus, livres do pecado, faz maturar frutos de santificação para a salvação de todos (cf. Rm 6, 22).

Na realidade, só nos é concedido ver uma pequena parte do fruto daquilo que semeamos, pois, segundo o dito evangélico, «um é o que semeia e outro o que ceifa» (Jo 4, 37). É precisamente semeando para o bem do próximo que participamos na magnanimidade de Deus: constitui «grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia» (Enc. Fratelli tutti, 196).
Semear o bem para os outros liberta-nos das lógicas mesquinhas do lucro pessoal e confere à nossa atividade a respiração ampla da gratuidade, inserindo-nos no horizonte maravilhoso dos desígnios benfazejos de Deus.

A Palavra de Deus alarga e eleva ainda mais a nossa perspetiva, anunciando-nos que a colheita mais autêntica é a escatológica, a do último dia, do dia sem ocaso. O fruto perfeito da nossa vida e das nossas ações é o «fruto em ordem à vida eterna» (Jo 4, 36), que será o nosso «tesouro no céu» (Lc 18, 22; cf. 12, 33). O próprio Jesus, para exprimir o mistério da sua morte e ressurreição, usa a imagem da semente que morre na terra e frutifica (cf. Jo 12, 24); e São Paulo retoma-a para falar da ressurreição do nosso corpo: «semeado corrutível, o corpo é ressuscitado incorrutível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual» (1 Cor 15, 42-44). Esta esperança é a grande luz que Cristo ressuscitado traz ao mundo: «Se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram» (1 Cor 15, 19-20), para que quantos estiverem intimamente unidos a Ele no amor, «por uma morte idêntica à Sua» (Rm 6, 5), também estejam unidos à sua ressurreição para a vida eterna (cf. Jo 5, 29): «então os justos resplandecerão como o sol, no reino do seu Pai» (Mt 13, 43).

«Não nos cansemos de fazer o bem»

A ressurreição de Cristo anima as esperanças terrenas com a «grande esperança» da vida eterna e introduz, já no tempo presente, o germe da salvação (cf. Bento XVI, Spe salvi, 3; 7). Perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos, a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença. Com efeito, mesmo os recursos melhores conhecem limitações: «Até os adolescentes se cansam, se fatigam, e os jovens tropeçam e vacilam» (Is 40, 30). Deus, porém, «dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco. (…) Aqueles que confiam no Senhor, renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 29.31). A Quaresma chama-nos a repor a nossa fé e esperança no Senhor (cf. 1 Ped 1, 21), pois só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado (cf. Heb 12, 2) é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9).

Não nos cansemos de rezar. Jesus ensinou que é necessário «orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18, 1). Precisamos de rezar, porque necessitamos de Deus. A ilusão de nos bastar a nós mesmos é perigosa. Se a pandemia nos fez sentir de perto a nossa fragilidade pessoal e social, permita-nos esta Quaresma experimentar o conforto da fé em Deus, sem a qual não poderemos subsistir (cf. Is 7, 9). No meio das tempestades da história, encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que ninguém se salva sozinho [2]; mas sobretudo ninguém se salva sem Deus, porque só o mistério pascal de Jesus Cristo nos dá a vitória sobre as vagas tenebrosas da morte.

A fé não nos preserva das tribulações da vida, mas permite atravessá-las unidos a Deus em Cristo, com a grande esperança que não desilude e cujo penhor é o amor que Deus derramou nos nossos corações por meio do Espírito Santo (cf. Rm 5, 1-5).

Não nos cansemos de extirpar o mal da nossa vida. Possa o jejum corporal, a que nos chama a Quaresma, fortalecer o nosso espírito para o combate contra o pecado. Não nos cansemos de pedir perdão no sacramento da Penitência e Reconciliação, sabendo que Deus nunca Se cansa de perdoar [3]. Não nos cansemos de combater a concupiscência, fragilidade esta que inclina para o egoísmo e todo o mal, encontrando no decurso dos séculos vias diferentes para fazer precipitar o homem no pecado (cf. Enc. Fratelli tutti, 166). Uma destas vias é a dependência dos meios de comunicação digitais, que empobrece as relações humanas. A Quaresma é tempo propício para contrastar estas ciladas, cultivando ao contrário uma comunicação humana mais integral (cf. ibid., 43), feita de «encontros reais» ( ibid., 50), face a face.

Não nos cansemos de fazer o bem, através duma operosa caridade para com o próximo. Durante esta Quaresma, exercitemo-nos na prática da esmola, dando com alegria (cf. 2 Cor 9, 7). Deus, «que dá a semente ao semeador e o pão em alimento» (2 Cor 9, 10), provê a cada um de nós os recursos necessários para nos nutrirmos e ainda para sermos generosos na prática do bem para com os outros. Se é verdade que toda a nossa vida é tempo para semear o bem, aproveitemos de modo particular esta Quaresma para cuidar de quem está próximo de nós, para nos aproximarmos dos irmãos e irmãs que se encontram feridos na margem da estrada da vida (cf. Lc 10, 25-37). A Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão. Acolhamos o apelo a praticar o bem para com todos, reservando tempo para amar os mais pequenos e indefesos, os abandonados e desprezados, os discriminados e marginalizados (cf. Enc. Fratelli tutti, 193).

«A seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido»

Cada ano, a Quaresma vem recordar-nos que «o bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia» (ibid., 11). Por conseguinte peçamos a Deus a constância paciente do agricultor (cf. Tg 5, 7), para não desistir na prática do bem, um passo de cada vez. Quem cai, estenda a mão ao Pai que nos levanta sempre. Quem se extraviou, enganado pelas seduções do maligno, não demore a voltar para Deus, que «é generoso em perdoar» (Is 55, 7). Neste tempo de conversão, buscando apoio na graça divina e na comunhão da Igreja, não nos cansemos de semear o bem. O jejum prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o. Na fé, temos a certeza de que «a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido», e obteremos, com o dom da perseverança, os bens prometidos (cf. Heb 10, 36) para salvação nossa e do próximo (cf. 1 Tm 4, 16).

Praticando o amor fraterno para com todos, estamos unidos a Cristo, que deu a sua vida por nós (cf. 2 Cor 5, 14-15), e saboreamos desde já a alegria do Reino dos Céus, quando Deus for «tudo em todos» (1 Cor 15, 28).

A Virgem Maria, em cujo ventre germinou o Salvador e que guardava todas as coisas «ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19), obtenha-nos o dom da paciência e acompanhe-nos com a sua presença materna, para que este tempo de conversão dê frutos de salvação eterna.

Francisco

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PELA PAZ NA UCRÂNIA

Comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa

  1. Na audiência geral de ontem e face à iminência da guerra na Ucrânia, o Papa Francisco apelava a que se fizessem todos os esforços para que se encontrem caminhos de paz. Convidava-nos também à oração pela paz, propondo que o dia 2 de março fosse assumido por todos como um Dia de Jejum pela Paz e, para os crentes, um dia de jejum e oração:
    «Tenho uma grande dor no coração pelo agravamento da situação na Ucrânia. Apesar dos esforços diplomáticos das últimas semanas, estão a abrir-se cenários cada vez mais alarmantes. Como eu, muitas pessoas em todo o mundo estão a sentir angústia e preocupação. Uma vez mais a paz de todos é ameaçada por interesses de alguns. Gostaria de apelar aos responsáveis políticos para que examinem seriamente as suas consciências perante Deus, que é Deus da paz e não da guerra; que é Pai de todos e não apenas de alguns, que quer que sejamos irmãos e não inimigos. Peço a todas as partes envolvidas para que se abstenham de qualquer ação que possa causar ainda mais sofrimento às populações, desestabilizando a convivência entre as nações e desacreditando o direito internacional.
    E agora gostaria de apelar a todos, crentes e não-crentes. Jesus ensinou-nos que à diabólica insensatez da violência se responde com as armas de Deus, com a oração e o jejum. Convido todos a fazer no próximo dia 2 de março, Quarta-feira de Cinzas, um Dia de Jejum pela Paz. Encorajo de modo especial os crentes a dedicarem-se intensamente nesse dia à oração e ao jejum. Que a Rainha da Paz preserve o mundo da loucura da guerra».
  2. Infelizmente, a guerra teve início esta madrugada, com a invasão da Ucrânia pela Rússia. A Conferência Episcopal Portuguesa, em sintonia com o Santo Padre e com o apelo pela Paz das Conferências Episcopais da Europa, condena veementemente a guerra na Ucrânia e propõe que todas as pessoas, comunidades e instituições da Igreja rezem pela paz na região, assumindo o dia 2 de março, Quarta-feira de Cinzas, como um Dia de Jejum e Oração pela Paz na Ucrânia.
  3. A Conferência Episcopal manifesta a sua solidariedade para com a população da Ucrânia e, em particular, para com a numerosa Comunidade Ucraniana em Portugal, desejando que este tempo de angústia, sofrimento e guerra seja rapidamente ultrapassado e se restabeleça a paz e a prática do bem para todos, como nos pede o Santo Padre na mensagem da Quaresma hoje divulgada. Apela ainda a que haja uma partilha efetiva para com a Igreja na Ucrânia, nomeadamente através das Cáritas e de outras instituições.

Lisboa, 24 de fevereiro de 2022
Secretariado Geral da CEP

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Na força do Espírito – Fórum da Comunidade Emanuel

Este ano, este evento anual organizado pela Comunidade Emanuel será em Coimbra, no Salão Paroquial da igreja de São José.
O tema – “Na força do Espírito” – será desenvolvido por um irmão belga da comunidade, o Jean-Luc Moens, que até há poucos meses era também o Moderador Internacional da Charis.
Em breve, disponibilizaremos opções relativas a alojamento e refeições.
Faça a sua pré-inscrição em https://forms.gle/8EYUN3qKGtRBn2fJ6

Todas as informações estão disponíveis em https://www.comunidade-emanuel.pt/forum/

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Encontro Nacional de Jovens

Emanuel Jovens_pt prepara encontro nacional de jovens em Fátima para o fim de semana de 12 e 13 de março.
Contamos com os vossos convites: qualquer dúvida, não hesite em contactar pelos meios habituais.
As inscrições podem ser feitas em https://forms.gle/X8iQekhYp4dayM6s7

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2º Domingo do Advento – 5 Dez 2021

Concedei, Deus omnipotente e misericordioso,
que os cuidados deste mundo não sejam obstáculo
para caminharmos generosamente ao encontro de Cristo,
mas que a sabedoria do alto
nos leve a participar no esplendor da sua glória.
Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.

«Toda a criatura verá a salvação de Deus»

S. Lucas situando, com precisão, a pregação de João Baptista no coração da história dos homens, indica, claramente que a salvação é universal, oferecida a todos os homens, sem excepção. «Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados» (LG 13).
A condição essencial para a aceitação da salvação é a conversão a Deus, que envolve, como consequências a libertação do pecado. Para que a vinda misteriosa de Cristo às nossas almas, hoje se cumpra, é necessário, pois, «preparar os caminhos do Senhor».

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
No décimo quinto ano do reinado do imperador Tibério, quando Pôncio Pilatos era governador da Judeia, Herodes tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe tetrarca da região da Itureia e Traconítide e Lisânias tetrarca de Abilene, no pontificado de Anás e Caifás, foi dirigida a palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deserto. E ele percorreu toda a zona do rio Jordão, pregando um baptismo de penitência para a remissão dos pecados, como está escrito no livro dos oráculos do profeta Isaías: «Uma voz clama no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas. Sejam alteados todos os vales e abatidos os montes e as colinas; endireitem-se os caminhos tortuosos e aplanem-se as veredas escarpadas; e toda a criatura verá a salvação de Deus’».
Palavra da salvação.

Lc 3, 1-6